Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


sexta-feira, 6 de junho de 2025

 “O Lou e eu tocámos juntos, tornámo-nos os melhores amigos e depois almas gémeas, viajámos, ouvimos e criticámos o trabalho um do outro, estudámos coisas juntos (de caça de borboletas a meditação). Inventámos piadas ridículas, parámos de fumar 20 vezes, discutimos, zangámo-nos às vezes, aprendemos a suspender a respiração debaixo de água, fomos a África, cantámos ópera em elevadores, fizemos amizade com pessoas improváveis, adotámos um doce cão pianista, partilhámos uma casa separada das nossas residências individuais, protegemo-nos e amámo-nos.”

“Como muitos casais, cada um de nós criou formas de ser – estratégias e, por vezes, cedências, que nos permitiam fazer parte de um par. Por vezes, perdíamos mais do que conseguíamos dar, ou cedíamos demasiado, ou sentíamo-nos abandonados. Por vezes, ficávamos verdadeiramente zangados. Mas, mesmo quando eu estava irritada, nunca estava aborrecida. Aprendemos a perdoar-nos. E, de alguma forma, durante 21 anos, entrelaçámos as nossas mentes e corações.”
“Na primavera de 2008, seguia numa estrada na Califórnia, cheia de pena de mim própria e a conversar ao telefone com o Lou. "Há tantas coisas que nunca fiz e que queria ter feito", disse-lhe. “Como o quê?"
"Sabes, nunca aprendi alemão, nunca estudei física, nunca me casei." E ele: “Porque é que não nos casamos? Encontro-te a meio caminho. Vou para o Colorado. Que tal amanhã?"
"Hum – não achas que amanhã é demasiado cedo?", respondi. “Não, não acho." Então, no dia seguinte, encontrámo-nos em Boulder, Colorado, e casámo-nos no jardim de um amigo, num sábado, com roupas velhas. E quando tive de fazer um espetáculo logo após a cerimónia, foi perfeitamente aceitável para Lou.
Há muitas maneiras de casar. Algumas pessoas casam com alguém que mal conhecem – e também pode resultar. Mas quando se casa com o nosso melhor amigo de muitos anos, deveria existir outro nome para isso.
Mas o que me surpreendeu no casamento foi a forma como alterou o tempo. E também como acrescentou uma ternura que era completamente nova. Parafraseando o grande Willie Nelson: "Noventa por cento das pessoas no mundo acabam com a pessoa errada. E é isso que faz a jukebox girar." A jukebox de Lou girava por amor e muitas outras coisas – beleza, dor, história, coragem, mistério.
O Lou esteve muito doente nos últimos anos. No final desenvolveu cancro no fígado, agravado por diabetes avançada. Tornámo-nos peritos em hospitais. Ele aprendeu tudo sobre doenças e tratamentos.
Continuou a praticar tai chi todos os dias durante duas horas, além da fotografia, livros, gravações, o seu programa de rádio com Hal Willner e muitos outros projetos. Amava os seus amigos e ligava, enviava mensagens e e-mails quando não podia estar com eles. Tentámos compreender e aplicar os ensinamentos do nosso mestre Mingyur Rinpoche – especialmente os mais difíceis, como "Tens de dominar a habilidade de sentir tristeza sem estar realmente triste."
Quando o médico disse: "É o fim. Não há mais opções", a única parte que o Lou ouviu foi "opções" – não desistiu até à última meia hora de vida, quando aceitou tudo – de uma só vez e completamente.
Estávamos em casa – eu tinha-o retirado do hospital uns dias antes – e, embora extremamente fraco, insistiu em sair para a luz brilhante da manhã. Nunca vi uma expressão tão cheia de admiração como a de Lou enquanto morria. As suas mãos faziam os movimentos da água no tai chi. Os seus olhos estavam bem abertos. Eu segurava nos braços a pessoa que mais amava no mundo e falava com ele enquanto morria. O seu coração parou. Não teve medo. Caminhei com ele até ao fim do mundo.”
“No dia antes de morrer, estávamos a nadar na piscina. A olhar para as árvores. E ele estava simplesmente a flutuar e a dizer: 'Sabes, sou tão suscetível à beleza’ E penso nisso todos os dias. Todos os dias. Como abrir-me ao mundo. E realmente apreciá-lo.”
Laurie Anderson nasceu a 5 de Junho de 1947, faz hoje 78 anos. Lou Reed morreu a 27 de Outubro de 2013.

Sem comentários:

Enviar um comentário