Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


sábado, 24 de novembro de 2018

quinta-feira, 15 de novembro de 2018

terça-feira, 13 de novembro de 2018

"… acho esse relógio cansado como já o foi, em tempos muito distantes, o meu coração de mecânica experimental; o que tu não chegas, espanta-me!… as flores devem estar já demasiado abertas, demasiado amarelo o chá para o marfim das minhas raízes dentais … a espera é um matrimónio muito rigoroso, muito silencioso e às vezes um pouco violento: nessas alturas embrulho-me numa manta e não presto atenção à tua ausência; vou pôr mais chá a fazer… também faço biscoitos de limão em forma de corações miudinhos, embora eu não goste de coisas que os olhos não vêm sem grandeza… mas o que é o gostar quando se tem as veias endurecidas pelos pós fabricados no laboratório velho das farmácias viciosas …?; às vezes penso em como será estar aborrecida contigo e nesse instante acho-me vulgar, como vulgar seria abrir uma manta e agasalhar-te em mim e chamar-te meia: minha-meia e beijar-te…; andas por aí fora, sem a guarda dos meus dedos resistentes às chuvas e aos relâmpagos; quando chegares, num pires coloco os biscoitos em forma de corações minúsculos e num outro, uns sons que colhi por estas manhãs para que te recordes do mundo de onde viemos, talvez antes do fim de pompeia…; quando eu morrer e doar o meu corpo em pedaços para que os poetas o comam à mão, tudo lhes há-de saber a antes: sem os vestígios dos sanatórios: lavei-os todos com baba e soda à saída das salas esverdeadas dos escarratórios que tu nunca hás-de cheirar…quanta música queres de verdade no pires raso da minha morte…?... mas eu espero…e só agora é que a chaleira começou a cantar algo que me parece ser em grego…"
Luisa Monteiro

sábado, 6 de outubro de 2018

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

terça-feira, 21 de agosto de 2018

quinta-feira, 9 de agosto de 2018

      o caminho é quando descobres a companhia

domingo, 29 de julho de 2018

domingo, 8 de julho de 2018

Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência muito rara. Passeando pelo parque steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando enlutada: tinha perdido a sua boneca.
Kafka se ofereceu para ajudar a procurar a boneca e se dispôs a se reunir com ela no dia seguinte no mesmo lugar.
Incapaz de encontrar a boneca compôs uma carta "escrita" pela boneca e leu-a quando se reencontraram:
- " por favor não me chore, eu já saí de viagem para ver o mundo. Vou te escrever sobre as minhas aventuras..."
Este foi o começo de muitas cartas.
Quando ele e a menina se reuniam, ele lia-lhe estas cartas cuidadosamente compostas de aventuras imaginárias sobre a querida boneca. A menina foi confortada. Quando as reuniões chegaram ao fim, Kafka deu-lhe uma boneca. Ela obviamente se via diferente da boneca original. Uma carta anexa explicou:
-"as minhas viagens me mudaram..."
Muitos anos mais tarde, a garota agora crescida, encontrou uma carta metida em uma fenda despercebida dentro da boneca. Resumindo, dizia: -"cada coisa que você ama, é bem provável que você a perca, mas no final, o amor voltará de uma forma diferente".
Kafka e a boneca... a omnipresença da perda.

sábado, 23 de junho de 2018

Peter Sandberg - Dismantle (Live)

HERBERTO HELDER, in “Os Passos em Volta”

O QUARTO (Excerto)

“ […] O barulho do mar e do vento.
A montanha, a ideia da montanha impraticável.

E depois a terra arenosa por ali fora. E a solidão.
E sentir sobretudo que já não pode haver medo.
Fecho as portas da casa, a porta de saída e as portas dos quartos entre si.
E fico no quarto sem soalho e deito-me no chão.

Ouço o mar e o vento à frente e atrás da montanha solitária e poderosa.

Depois encosto a cara à terra profundíssima
para escutar o seu húmido sussurro
atravessando-a toda e passando por mim.

E então poderei morrer.”

quarta-feira, 20 de junho de 2018

domingo, 10 de junho de 2018

The older you get the stronger the wind gets - and it's always in your face.


sábado, 9 de junho de 2018

foi a teu lado que me deitei pela
primeira vez num prado, lembras-te?
foi a teu lado que olhei por várias
vezes o céu enorme e estrelado e me
senti acompanhado.
foi a teu lado que chorei e ri, e quando
me perdi me mandaste tomar um duche
de água fria (por causa da Natureza...)
foi a teu lado que parti vidros e
gritei e depois adormeci sem saber como, encantado.
foi a teu lado, ao teu lado, em teu lado
que cresci e aprendi também a ser assim,
- pirilampo -
aquele que pelo escuro se vai iluminando.
 p.p.



quinta-feira, 7 de junho de 2018

domingo, 3 de junho de 2018

A noite passada - Sérgio Godinho

Foto de Patricia Abella Martin.
“And I, infinitesima­l being,
drunk with the great starry
void,
likeness, image of
mystery,
I felt myself a pure part
of the abyss,
I wheeled with the stars,
my heart broke loose on the wind.”
― Pablo Neruda, 100 Love Sonnets

sábado, 2 de junho de 2018

quarta-feira, 30 de maio de 2018

terça-feira, 22 de maio de 2018

Pomar

Hoje morreu o Júlio,

fico a pensar que na verdade nunca se morre sendo artista,

mas morreram as tardes em Tavira na casa das artes
alucinadas entre esperas de iluminados.

Será que o branco quente daqueles dias
te trazem memórias de mim?
Ver a imagem de origem

quarta-feira, 25 de abril de 2018

Ouvi a tuas palavras,
alinhadas como pássaros num fio eléctrico,
não cantavam como pássaros, assobiavam como balas.
Ouviste o meu coração partir-se?
Partiu-se como se parte qualquer objecto doméstico e quotidiano,
no lava-loiça uma chávena, um copo, um prato.
É difícil sair inteiro de uma história de amor.
É difícil encontrar um serviço de chá em uso,
uma chávena, um açucareiro, um bule, sem uma asa partida.
©rsm

sábado, 14 de abril de 2018

Foto de José Silva.
Joan Margarit,
«Misteriosamente Feliz»

sexta-feira, 30 de março de 2018

Grygory Sokolov - Live Recital(Bach/Beethoven/Schubert)

Os trompetistas não voam
Escolheu um vestido que não usava há muito tempo,
demasiadas flores, demasiados botões,
botões pequeninos de madrepérola,
demorou a enfiar os botões dentro das casas,
quase o mesmo tempo que demora a sair de casa,
mora num quinto andar sem elevador,
sentada ao espelho no toucador,
mas antes pôs um disco a tocar no gira-discos,
demorou a acertar com agulha
demorou até o Chet Baker começar a cantar
you make me smile with my heart
your looks are laughable
unphotographable,
um rapaz do seu tempo, da sua criação,
são do mesmo mês e do mesmo ano
Dezembro de 1929, morreu tão novo,
caiu da janela de um quarto de hotel em Amesterdão,
os trompetistas não voam,
ainda hoje não se sabe se acidente,
pensava, enquanto o ouvia cantar,
but don't change a hair for me
not if you care for me
enquanto de nariz enfiado no espelho,
cataratas, miopia, pintava os lábios,
primeiro rosa, depois vermelho,
porque o rosa, mesmo com óculos, invisível aos seus olhos,
depois nos olhos passou um lápis-lazúli,
nas maçãs dos rosto um tom de avelã,
deu uma segunda demão nas cores,
do guarda-jóias um o colar de pérolas e os brincos em par,
comoveu-se com a sua vaidade,
estava feliz como há muito tempo não estava,
estava feliz sem saber porquê,
depois escolheu os sapatos,
tem dois pares de sapatos,
parecem mais pantufas que sapatos,
os joanetes nos pés não suportam sapatos,
agora que tem pés de pato, pensa e sorri,
e é com esse sorriso sai para a rua,
vai ao café, senta-se na sua mesa,
longe da porta e de correntes de ar,
sem pedir trazem-lhe um bolo de arroz,
uma chávena de chá, pacotinho de açúcar nenhum, diabetes,
e como se ele estivesse sentado ao seu lado,
ele está sempre ao seu lado, namoram um bocadinho,
todos os dias namoravam um bocadinho,
stay little Valentine, stay
each day is Valentine's Day
o tempo de um bolo de arroz, de uma chávena de chá,
namoram até que, sem discrição,
uma menina na mesa ao lado aponta o dedo e pergunta,
aquela senhora a falar sozinha é um palhaço,
e, sem ter tocado no bolo de arroz, ele desaparece,
ela que estava feliz, fica desmedidamente triste,
porque a tristeza consegue ser mais triste quando já foi alegria.
©rsm

quarta-feira, 21 de março de 2018

Mohammad Mohiedine Anis, 70, smokes his pipe as he sits in his destroyed bedroom listening to music on his vinyl player in Aleppo's formerly rebel-held al-Shaar neighbourhood on March 9, 2017. / AFP PHOTO / JOSEPH EIDJOSEPH EID/AFP/Getty Images

A arte será sempre refúgio e salvação

segunda-feira, 19 de março de 2018

Foto de Lília Tavares.
Exercícios de preparação para a solidão
Perceber que já se perdeu tudo o que um dia mais se amou,
fazer ordinariamente horas extraordinárias,
ir a diário ao ginásio, esgotar o corpo,
andar frequentemente de bicicleta,
regressar a casa pelo caminho mais longo,
prestar atenção ao que acontece dentro da copa das árvores,
não ter animais de estimação, nem mesmo plantas,
ter coragem para não recolher um cão abandonado,
nas tardes de sol mais difíceis visitar jardins, dar milho aos pombos,
ser amante de livros, de música e de cinema,
guardar numa caixa as fotografias de infância,
dançar pela casa, a vontade não precisa de par,
evitar pensar no sentido da vida,
ter um não sei quê de ave migratória,
manter a casa limpa, mudar os lençóis, fazer a cama,
ter em casa chá, chocolate e livros de poesia,
peças de fruta, álcool e cigarros nenhuns,
ter cola, tesoura, agulha, linha, pregos, o necessário para pequenas reparações,
cozinhar em pequenas quantidades,
investir numa chaleira, numa botija para água quente, num congelador,
viajar para países distantes sem companhia,
não ter medo da chuva nem do choro,
não ligar a televisão só para ter luz no escuro.

©rsm
The Unbearable Lightness of Being

segunda-feira, 12 de março de 2018

sábado, 10 de março de 2018

Though lovers be lost love shall not;
And death shall have no dominion.
Despite knowing the journey...and where it leads...I embrace it... and I welcome every moment of it. 
You know i've had my head tilted up to the stars for as long as I can remember. You know what surprised me the most? It wasn't meeting them. It was meeting you.

Max Richter - On the Nature of Daylight

domingo, 18 de fevereiro de 2018

sábado, 10 de fevereiro de 2018

Ninguém sabe o que fica depois do amor. Cada um tem os seus itinerários de paixão, que observou enquanto o rio transbordava as margens. Depois do amor há um horizonte sem princípio e sem fim: tudo pode ser o que já foi ou nunca aconteceu. Na incerteza, os deuses perguntam e os homens escutam. O Oráculo tem sempre muitas dúvidas, a verdade é que Apolo é belo e fala pouco. A sua discrição é uma vantagem quando precisa de ostentar o corpo para silenciar os invasores.
Recentemente, dois amigos divorciaram-se. Ele disse-lhe que a chama perdeu a luz do passado. Ela respondeu-lhe que a luz do passado nunca existiu. Entre as sombras e as frestas da janela, alguma coisa perdeu o brilho que justificasse a mudez e a indiferença. Às vezes, não se sabe como as coisas começam, descobre-se que o tempo acumulou os pequenos gestos, as desatenções, a insensibilidade, a falta de jeito, a incompetência emocional e, principalmente, uma tendência para um consumismo sem sedução. Quem gasta o que encontra no outro e não semeia, acaba num areal onde redescobre a sua solidão e o tempo perdido. O passado em comum é muitas vezes um tempo sem futuro, onde o presente foi uma chatice. Quando se descobre já é tarde, já os dias são curtos e as noites longas. Quando a sombra do outro é uma espécie estranha na orla dos sentidos, o caso é sério.
Os dois amigos que se divorciaram não perceberam que o “tempo gastou a novidade”, a mesma novidade que eles inventaram para sobreviver à solidão. Passados muitos anos, olharam-se na frieza de uma distância que já foi próxima, disseram coisas cujo sentido se perdeu na semântica, reivindicaram exclusivos e apoucaram-se. O sentido do amor foi ter perdido o amor, e não recuperarem os diferentes sentidos do amor na vida de cada um. Talvez, agora, seja possível descobrirem os cheiros de alfazema e alecrim.
O que gasta o amor é a incapacidade dos amantes namorarem quando formalizam a esperança. A ocupação do espaço de cada um é uma violação da sua criatividade, uma cúmplice invasão sem remissão. Por isso, os meus amigos desencontraram-se no convívio da partilha, foram egoístas e decidiram correr sozinhos um jogo de consequências imprevisíveis. Agora delegam nos juízes a decisão das suas próprias vidas.
Há pouca diferença entre os que visitam o Oráculo e os que pedem justiça pelas incompreensões de uma vida pouco comum. Deviam ter tido coragem de despir a roupa velha e procurarem o encanto perdido, o encanto que cada um foi amarfanhando, até que se aperceberam quanto era impossível disfarçar a distância e a indiferença. Agora, sabe-se que a história tem outras histórias, que ocultam outras estórias, que ainda guardam uma vida onde o inverosímil tenta convencer os tribunais.
O que fica depois do amor? Não sei o que fica, talvez uma cratera à espera de um encontro que alimente o sonho, que refaça o incrível das pequenas coisas. Quando se perde o culto de procurar, instala-se o desespero e as perguntas improváveis. Já disse aos meus amigos que as suas histórias de vida ajudam a explicar tantos divórcios, que a “culpa” é uma estranha criatura que teima em estar perto de cada um, para alimentar os argumentos e os arremessos. Na opacidade, o amor é um jogo com regras invulgares, mas a paixão é, com toda a certeza, a mais estranha das disponibilidades e a mais autêntica expressão de uma viagem a dois.
O que fica depois do amor? Fica a vida, a esperança e a eternidade. Com sorte, outros amigos de outros amigos cruzar-se-ão. E, assim, o que fica depois, é uma viagem onde cada um pode reencontrar a metade que outros não souberam gastar.
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© António Vilhena

domingo, 4 de fevereiro de 2018

Beirut - Cheap Magic Inside - A Sunday Smile

de repente pára tudo

O Sorriso - Eugénio de Andrade



Creio que foi o sorriso, 
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
                 


quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Beirut - Elephant Gun (VIDEO)

“Se tivesse de resumir o essencial dos meus objetivos de vida, acho que à cabeça poria o conhecimento.”
António Barreto 



segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

domingo, 14 de janeiro de 2018

Foto de Rita Garro.
“ Só aqueles que intentam o absurdo alcançam o impossível.”
M.C. Escher

segunda-feira, 8 de janeiro de 2018



Dizem haver amores para lá dos sentires contidos pelo tempo. Momentos perfeitos de toques de riso, pequenos sabores, ou, também muito pequenas nuvens. Ainda, infinita, a tortura. Como poeira cósmica, as etimologias são coincidentes. E assim, é tão possível ter nas mãos o pesadelo como o paraíso. Tal é o peso da metamorfose.
Aldo Mathias, 1939.