Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


quarta-feira, 31 de março de 2021

Dias cheios de nada

Acordo temprano a cantar o Paquito Chocolatero numa Lisboa tão longe das Estevas. 

As mais próximas que vejo são as da Casa Ferreirinha pingadas de tinto.

Junto ao molho mais um ano sem feira de Abril, e a de Agosto quem sabe lá. 

Confino o que resta do alimento da memória.

Mesmo que não se viva mais nada, vivo do que já se viveu.

Sinto o desânimo nas ruas chapado na cara dos outros. 

Não quero que se pegue. Manguito à morte!

Tudo se arrasta num tempo parado, em espera de mais passos e de vida.

As montras forradas a papel pardo mostram falências do consumo perdido. 

Casas trancadas sem vizinhos à porta.

Cada um vive como pode os dramas do seu ano pessoal, os piores infernos são internos.

Incomoda e desarma o sorriso que levo nos olhos. 

Olhar sem tocar, é o mote.

Logo eu tão espanhola.

As minhas gargalhadas fazem eco.

Insisto em me manter à tona. 

Afinal, adoro boiar.

quarta-feira, 24 de março de 2021

terça-feira, 23 de março de 2021

domingo, 21 de março de 2021

The Psychedelic Furs - Wrong Train (Official Video)

Eu bem queria,

passar a ferro,

a roupa, os dias,  

mas tenho o ferro pousado e a tábua encharcada da água derramada,

que molhou o chão de madeira despido de cera,

que ensopou as vestes da esfregona mais seca do que eu.

Eu bem queria,

um café pingado,

que esfriou na chávena,

onde poisou a mosca e naufragou.

Eu bem queria, o café com a bolacha maria,

ou as de manteiga mas nem sobraram areias, quanto mais as pratas.

Eu bem queria, o que resta dos cartões de visita a fazer um dia,

assim que abrir, digo, dizem,

mas sei que baterei às portas sem fugir,

e o meu olhar esquecido irá entender enfim

que as moradas já não serão as mesmas.





 Hoje Primavera,

fria e parada.
Os dias com cara de Domingo.
Eu que queria,
tento as horas, mas o relógio já não mede as de ponta.
As ruas desertas,
mais ruas do que Almas,
restam algumas na fila do pão,
mas a fome é velha,
até para os amantes que já não vagueiam de noite nem de dia de cama em cama.

Regresso apenas com um jornal de ontem. O pão de plástico não me convence. E o do relógio da torre das gaivotas fica longe.

Podemos atravessar em todas as cores do semáforo,
respeitar apenas os 2 metros entre cada um se for o caso,
mas nem os vizinhos
se aproximam.
Cumprimento que se perde, comprimento que se ganha.

Para enganar a solidão tenho livros, a percentagem certa de cacau, álcool de beber e os filmes em gaveta,
nesse entretanto esqueço.

Já fez sol e chuva,
em janela fechada conta o mesmo.

O amor doseado,
em teclas desinfetadas,
não vá a urgência
ser uma agravante.

Já ninguém me chama menina,
crescemos quando os filhos e os pais nos perguntam
- o que fazer?

21 de março de 2020 em repeat

 

Fotografia de um dia qualquer numa Lisboa pré pandémica

sábado, 20 de março de 2021

 "... Creedme, todo depende de esto: haber tenido, una vez en la vida, una primavera sagrada que colme el corazón de tanta luz que baste para transfigurar todos los días venideros".

"Primavera sagrada", Rainer M. Rilke

 


Tony Bennett - The Good Life (Original) HQ 1963

 


“So we beat on, boats against the current, borne back ceaselessly into the past”
The Great Gatsby

Struggle for Pleasure

Maurice Ravel - Pavane for Dead Princess

quinta-feira, 18 de março de 2021

Ludovico Einaudi - La Linea Scura

Cara ou coroa

Saudades, de ouvir a leveza de um jazz numa tarde a entrar de noite num recanto de Lisboa.

É o meu pensamento num entardecer dum Março covídico à saída da consulta de medicina do trabalho.

Não fiquei transtornada com a sentença da balança, dois dígitos a mais. Tanto que resolvi ir lanchar. Corri duas pastelarias com nomes franceses e nada. Montras com ar de ontem. Para pecar que seja a valer a pena.

Salva por ser esquisita. (Hoje era mesmo um croissant de amêndoas)

Tenho dias, e horas e dentro das horas minutos.

Sei o que quero. Nunca existe. A desgraça é minha.

Bebo um vinho que diz que é biológico mas que não me deixa recordações. 

Falta-lhe corpo.

E não é das caras que se vive.

Nem tirando a moeda ao ar.

Chet Baker Trio ‎– Someday My Prince Will Come (1983) [1987 edition]

quarta-feira, 17 de março de 2021

 "A tua aproximação da liberdade passa pela tua solidão“

Agostinho da Silva

quarta-feira, 10 de março de 2021

 


 «The Road Not Taken»

Two roads diverged in a yellow wood, And sorry I could not travel both And be one traveler, long I stood And looked down one as far as I could To where it bent in the undergrowth; Then took the other, as just as fair, And having perhaps the better claim, Because it was grassy and wanted wear; Though as for that the passing there Had worn them really about the same, And both that morning equally lay In leaves no step had trodden black. Oh, I kept the first for another day! Yet knowing how way leads on to way, I doubted if I should ever come back. I shall be telling this with a sigh Somewhere ages and ages hence: Two roads diverged in a wood, and I— I took the one less traveled by, And that has made all the difference. Robert Frost

Tindersticks - My Oblivion

segunda-feira, 8 de março de 2021

 "Si eres una mujer fuerte

prepárate para la batalla:
aprende a estar sola,
a dormir en la más absoluta oscuridad sin miedo,
a que nadie te tire sogas cuando ruja la tormenta,
a nadar contra corriente.
Entrénate en los oficios de la reflexión y el intelecto.
Lee, hazte el amor a ti misma, construye tu castillo,
rodéalo de fosos profundos,
pero hazle anchas puertas y ventanas.
Es menester que cultives enormes amistades,
que quienes te rodean y quieran sepan lo que eres,
que te hagas un círculo de hogueras y enciendas en el centro de tu habitación
una estufa siempre ardiente donde se mantenga el hervor de tus sueños.
Si eres una mujer fuerte
protégete con palabras y árboles
e invoca la memoria de mujeres antiguas.
Haz de saber que eres un campo magnético
hacia el que viajarán aullando los clavos herrumbrados
y el óxido mortal de todos los naufragios.
Ampara, pero ampárate primero.
Guarda las distancias.
Constrúyete. Cuídate.
Atesora tu poder.
Defiéndelo.
Hazlo por ti.
Te lo pido en nombre de todas nosotras".
Gioconda Belli

 


"Dedíquense a personas, grupos o causas. Sumérjanse en el trabajo social, político, intelectual o artístico.
Deseen pasiones lo suficientemente intensas que les impidan cerrarse en ustedes mismos.
Aprecien a los demás y vivan una vida activa de proyectos con significado".
Simone de Beauvoir



domingo, 7 de março de 2021

Schizophrenia

Domingo de confinamento

Tem dias que em pensamento acordo lá,

sobre aquele imenso céu do Alentejo, semelhante só em África.

Consigo ouvir os sons, os cães ao sol quase em bebedeira adormecida de parede a parede,

a linguagem aberta dos pássaros em alegre movimento e as mulheres na rua a chilrear também, como só ali. 

As cegonhas batem o bico e ficam mimetizadas com a cal das casas.

Escuto até o meu pai no cante, Alentejo és nossa terra.

Acompanho, com o Vitorino que há em mim, apesar da voz perdida na mudança de idade como a do Joselito pan y vino.

Abro os olhos, pela persiana aterro o pensamento em Lisboa,

o relógio não acerta a hora, mas bate os segundos.

 - Pilhas novas precisamos todos! 

Sim, também falo sozinha.

Suspiro e respiro.

Tento uma fuga ao mar, mas fica por um canudo.

Adraga cortada, estaciono num Guincho que não me satisfaz. 

Basicamente desejo é fazer klms,

Sentir a estrada fora.

Um sítio novo num raio possível.

Anda tudo à roda do penico.

Pela janela vejo um velhote atrevido num banco do jardim a cortar as fitas.

Senta-se. 

Quero ver quem o detêm.

Com a idade perdemos todos os medos.

A música que vem do vizinho afinal é um hard metálica da pesada, eu que pedi um Jazz Bossa Nova.

Oh Senhores anda tudo desatento!

Até nos vizinhos se tem que investir, nunca foi tão importante como agora o que se encontra no metro quadrado de proximidade.

Mas nem tudo está perdido,

passou um avião a cruzar o céu.

Quem disse que os trevos eram só verdes?

sábado, 6 de março de 2021

 


 (...) Aceito a ordem

das coisas, a geometria
imposta do quarto?
Os objectos no
seu lugar de sempre,
a distância exacta
da cadeira à mesa,
do meiple à janela?
O sono do tapete?
O universo diário
do quarto alugado,
as molduras que
cercam, resguardam
naturezas mortas,
paisagens imóveis?
Aceito a minha vida?
Ou mexo no candeeiro,
desvio-o alguns centímetros
na mesa, altero
as relações das coisas,
afinal tão frágeis
que o simples desvio
dum objecto pode
romper o equilíbrio?
Pego no telefone
e grito ao primeiro
desconhecido: ouves-me?
Ou deixo tudo
tal como está,
medido, quieto
no rigor do quarto,
e eu hesitante
entre o soalho e o tecto?
Desloco o cinzeiro
sabendo que posso
matar mandarins,
provocar cataclismos,
fracturas, amores,
eclipses, sonhos,
com a ponta dum dedo?
Ou apago a lâmpada
eléctrica e entro
no mesmo torpor
que as flores do tapete,
a fruta dos quadros,
o frio, o bolor,
no chão, nas paredes,
o poema na mesa,
a mesa no espaço
do quarto comprado
mês a mês? Confundo
o aluger e o tempo,
deixo-me ser
em cada milímetro,
em cada segundo,
do quarto, da vida,
o outro objecto
chamado inquilino?
Ou desencadeio
a insurreição
mudando de sítio
o meiple, a cadeira,
mudando-me a mim?
(O Inquilino, Carlos de Oliveira)

Ficar a nú

Um dos sinónimos de perfeição - Remendo.

Hoje, comentava com um amigo que já ninguém está inteiro.

Debaixo das muitas capas, 

de roupa, feitio e aparências,

fica a morada das cicatrizes.

A arte de concertar requer mãos e paciência de ourives.

O que nos une e o que nos separa,

de que argamassa somos feitos afinal?

"...viemos demasiado tarde para os Deuses, demasiado cedo para o Ser. O Homem é um Poema que o Ser começou."

A menor distância entre dois seres é sentida no mesmo comprimento de onda, e na perturbação que  entre os dois se repete e por isso interação. 

Que os pedaços dos quebrados se juntem em retalhada harmonia.

Existe uma arte japonesa- Kintsugi, que trata de reparar cerâmica quebrada, com pó de ouro, prata ou platina.

Costuras de ouro.

É deixar a descoberto.



quinta-feira, 4 de março de 2021

Landslide

Vintage Chic - Lounge Playlist 2021 (4 Hours)

 "No está escrito en ninguna parte que no puedas conseguirlo".

Elena Ferrante