domingo, 18 de fevereiro de 2018
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Ninguém sabe o que fica depois do amor. Cada um tem os seus itinerários de paixão, que observou enquanto o rio transbordava as margens. Depois do amor há um horizonte sem princípio e sem fim: tudo pode ser o que já foi ou nunca aconteceu. Na incerteza, os deuses perguntam e os homens escutam. O Oráculo tem sempre muitas dúvidas, a verdade é que Apolo é belo e fala pouco. A sua discrição é uma vantagem quando precisa de ostentar o corpo para silenciar os invasores.
Recentemente, dois amigos divorciaram-se. Ele disse-lhe que a chama perdeu a luz do passado. Ela respondeu-lhe que a luz do passado nunca existiu. Entre as sombras e as frestas da janela, alguma coisa perdeu o brilho que justificasse a mudez e a indiferença. Às vezes, não se sabe como as coisas começam, descobre-se que o tempo acumulou os pequenos gestos, as desatenções, a insensibilidade, a falta de jeito, a incompetência emocional e, principalmente, uma tendência para um consumismo sem sedução. Quem gasta o que encontra no outro e não semeia, acaba num areal onde redescobre a sua solidão e o tempo perdido. O passado em comum é muitas vezes um tempo sem futuro, onde o presente foi uma chatice. Quando se descobre já é tarde, já os dias são curtos e as noites longas. Quando a sombra do outro é uma espécie estranha na orla dos sentidos, o caso é sério.
Os dois amigos que se divorciaram não perceberam que o “tempo gastou a novidade”, a mesma novidade que eles inventaram para sobreviver à solidão. Passados muitos anos, olharam-se na frieza de uma distância que já foi próxima, disseram coisas cujo sentido se perdeu na semântica, reivindicaram exclusivos e apoucaram-se. O sentido do amor foi ter perdido o amor, e não recuperarem os diferentes sentidos do amor na vida de cada um. Talvez, agora, seja possível descobrirem os cheiros de alfazema e alecrim.
O que gasta o amor é a incapacidade dos amantes namorarem quando formalizam a esperança. A ocupação do espaço de cada um é uma violação da sua criatividade, uma cúmplice invasão sem remissão. Por isso, os meus amigos desencontraram-se no convívio da partilha, foram egoístas e decidiram correr sozinhos um jogo de consequências imprevisíveis. Agora delegam nos juízes a decisão das suas próprias vidas.
Há pouca diferença entre os que visitam o Oráculo e os que pedem justiça pelas incompreensões de uma vida pouco comum. Deviam ter tido coragem de despir a roupa velha e procurarem o encanto perdido, o encanto que cada um foi amarfanhando, até que se aperceberam quanto era impossível disfarçar a distância e a indiferença. Agora, sabe-se que a história tem outras histórias, que ocultam outras estórias, que ainda guardam uma vida onde o inverosímil tenta convencer os tribunais.
O que fica depois do amor? Não sei o que fica, talvez uma cratera à espera de um encontro que alimente o sonho, que refaça o incrível das pequenas coisas. Quando se perde o culto de procurar, instala-se o desespero e as perguntas improváveis. Já disse aos meus amigos que as suas histórias de vida ajudam a explicar tantos divórcios, que a “culpa” é uma estranha criatura que teima em estar perto de cada um, para alimentar os argumentos e os arremessos. Na opacidade, o amor é um jogo com regras invulgares, mas a paixão é, com toda a certeza, a mais estranha das disponibilidades e a mais autêntica expressão de uma viagem a dois.
O que fica depois do amor? Fica a vida, a esperança e a eternidade. Com sorte, outros amigos de outros amigos cruzar-se-ão. E, assim, o que fica depois, é uma viagem onde cada um pode reencontrar a metade que outros não souberam gastar.
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© António Vilhena
domingo, 4 de fevereiro de 2018
de repente pára tudo
O Sorriso - Eugénio de Andrade
Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
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