Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


terça-feira, 14 de julho de 2015

T-o-M

Trovar-te depois de Torga é quase ridículo,
mas eu tenho, de ti, tanto chão, tantas saudades,
dos cheiros, dos sons, das canções do vento,
da dança do frio, do labor das chaminés, dos gatos em cio,
das tardes onde havia um rio, de nós como lavagantes,
sôfregos e desastrados amantes.
Saudades das giestas de Maio, das andorinhas de estação,
mais das uvas, dos figos, das amoras e da poeira do Verão.
Saudades de andar de burro e de ver estrelas no céu.
Saudades das vozes, dos gestos, das mãos,
dos sorrisos parcos e sempre sisudos,
da ternura das pedras que eu tentei não amar.
Estou assim, meu ToM quase Jobim,
melancólica e ridícula como esta carta de amor,
que para só tu perceberes escrevo no meu mandarim.
Estou assim, a pensar no teu abraço, da minha avó o regaço,
na cidade grande como se fosse grande coisa,
perdida entre prédios e o barulho de buzinas,
e como um fidalgo manchego
a ver moinhos, montanhas, penedos,
a lutar contra os meus medos,
a aliviar meu cansaço,
memória cheia e faminta,
de um cibo de pão centeio,
de um verde mar de oliveiras,
de um sono branco de linho.
Estou assim, numa urgência de telegrama,
à espera de um carteiro, com vocação de poeta,
que nos dias da minha infância entregava de bicicleta.
Estou assim, assim, com fome de ti.



Raquel Serejo Martins, inédito, Julho 2015

Sem comentários:

Enviar um comentário