Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Não olhaste para trás quando te despediste. Disse-te: Não és tu, sou eu. Eu sou o problema por resolver. Acho que também te disse: Conheci uma pessoa e mais dois animais. E podia ter dito outra coisa qualquer que te fizesse não querer voltar atrás. Preciso da solidão e a solidão procura-me. É só minha, só a mim pertence, mais do que tudo o resto que vem e vai, sempre de passagem. É a minha fortaleza que me vai defendendo com os seus altos muros dos afiados golpes do destino.

Acendo um cigarro que me sabe mal. Disse-te: Não és tu, sou eu. Sou sempre eu e não tenho escolha para além de mim. Nem os pés contra o chão de madeira disso me demovem. Contudo no meu caos interior vivem pessoas que poderiam vir a ser amigas, compatíveis e reconciliáveis. Por outro lado existem produtos defeituosos e almas frágeis com excesso de coração e pensamentos delirantes. Sim, tive-te demasiado em mim para  ter horas para mais alguém. Sinto mais conforto numa vida imaginada – infectada de ilusões, sonhos recorrentes, antecipações do que poderia vir a acontecer e acaba por não acontecer – do que nesta vida real por convenção, cheia de coisas reais de arestas cortantes e peso específico variável. Mas não existem, as vidas reais.

Ninguém consegue viver neste mundo se não espreitar para fora dele. Basta ser semanalmente e apenas por minutos. Um vulto de mulher que não alcanças com os dedos, o terceiro andamento da primeira sinfonia de Mahler, a elegância de uma demonstração de álgebra, são o bastante para aliviar da asfixia. Eu já salvei a minha vida a revisitar todos os dias ao anoitecer a singela beleza de um quadro de autor desconhecido exposto na vitrine de uma modesta galeria de uma rua deserta, numa cidade deserta, com um futuro que não chegava pois nada havia que pudesse acontecer. A beleza salva vidas e eu tenho a prova.
Pedro Paixão

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