Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Casa de Campo

  • Nos dias de muitos calor
    andavas sempre de chapéu de palha
    e cheiravas a Itália...
    fumavas menos e fazias limonada
    com limões do limoeiro do quintal
    e muitas pedras de gelo
    que a derreter na tua boca
    lembravam baleias de aquário.
    Depois passavas a tarde
    na espreguiçadeira à sombra da figueira,
    ainda sem figos, nunca chegávamos a tempo dos figos
    sem abrir o jornal que compravas
    a diário, depois da bica matinal,
    quase meio-dia, no café vila,
    a ler poetas de língua inglesa
    que, não parece, mas a língua de Shakespeare
    assenta como uma luva à poesia,
    dizias e mais do que ler dormias a sesta.
    À noite jantávamos no alpendre,
    vinho, queijos, frutas, cigarros,
    acendíamos velas de citronela
    para espantar os mosquitos,
    quase uma oração a Nossa Senhora dos Aflitos,
    e jogávamos bilhar ao som de Bach num cravo,
    e não era Bach nem era um cravo
    mas uma orquestra de desvairadas cigarras.
    Fazíamos amor com a janela aberta,
    mais velas acesas no parapeito,
    transpirávamos muito mas dormíamos colados,
    e quando chovia a terra tinha um cheiro
    insuportavelmente bom,
    tão diferente da cidade.

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