Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


quinta-feira, 25 de junho de 2020

A intimidade não se pode forçar. Os homens, em geral, encontram aqui maiores dificuldades do que nós, estando geneticamente programados para se sentirem sempre atrasados para uma qualquer tarefa prática que ficou por fazer, mesmo ainda não sabendo qual seja. São incapazes de passar três dias e três noites a comer frutos secos e beber vinho fresco, estendidos sobre os colchões e as almofadas que se retiraram de cima das camas e dispuseram à volta das janelas do quarto de onde só se vê o céu e a lua a passar, fazendo tudo o que há para fazer, que é pouco, mas muito devagar. É de longe mais preciosa a sabedoria das mulheres do que a inteligência dos homens. Os homens não param enquanto não dão cabo de tudo. Desde cedo o seu jogo preferido é brincar às guerras, passatempo que mais tarde se transforma em hecatombe de corpos e almas inocentes. Afastam o tédio destruindo e voltando a construir para poder destruir de novo e assim se escreve a História da Violência que nos ensinam nas escolas. As mulheres preservam o que importa, pois que é nelas que tudo nasce. Em vez de adiantar, atrasar o prazer. Em vez de consumir, repetir as delícias, sempre numa ordem surpreendente. Em vez de querer passar ao que se segue, estacar, olhar como quem contempla, penetrar por momentos na eternidade dos corpos. Ser íntima era precisamente o inverso daquilo que eu sentia quando estava contigo. Mesmo descontando os beijos. A intimidade não existe, nem começa ou acaba, quando nós queremos. Nem sequer por que amamos: ela não é uma consequência do amor, é o que acompanha o suave e terno trabalho do amor. Um acompanhamento, se tu quiseres, no sentido musical, mas também pode ser no sentido gastronómico, agora que penso nisso, já que o sexo pode ser elevado a alimento divino, néctar para beber e ambrósia para morder. A intimidade é uma plenitude e uma inexcedível satisfação que nada requer ou produz, valendo por si, frágil e intocada, tremendamente humana: um escândalo no mundo letalmente tecnológico dos atarefados. Uma manifestação de anarquia que põe em perigo a existência social dos animais gregários que preferem apenas sobreviver a ousar qualquer alternativa. A intimidade é a poesia dos amantes abraçados de amores.
Pedro Paixão

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