Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


terça-feira, 13 de setembro de 2011

Dez anos depois

(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman)



Separei-me – ou melhor dito, divorciei-me - há dez anos. Era para ter sido no dia 11 de Setembro, mas como caíram as torres de Nova Iorque, e a televisão nos absorveu literalmente, e toda aquela irrealidade tomou conta da nossa pequena e insignificante realidade, foi no dia seguinte. Estava um dia de calor com o sol escondido, aqueles dias que dão sono.

Os anos que se seguiram foram vagamente caóticos, algures entre a negação de um falhanço e aqueles coices disparatados dos animais, sem direcção certa, sem rumo, apenas com vontade. Aos 37 anos eu queria tudo menos perder tempo, por isso decidi refazer a minha vida o mais depressa que fosse possível. Queria voltar a casar, queria ser pai outra vez, queria fazer tudo igual, mas desta vez bem feito. Dei entrevistas em que me declarei “disponível para amar”, e namorei desalmadamente como se não houvesse amanhã. Não demorei muito tempo a perceber que estava a tentar o duplo salto mortal. Algo como: do mesmo autor de um casamento que não correu bem, um resto de vida que vai correr pior...

Acordei antes do salto final para o abismo. E decidi aproveitar o tempo – isto é, viver. O verbo é muito fácil de conjugar, muito difícil de praticar. Viver, nestas circunstâncias, significa uma série de outros verbos: crescer, amadurecer, aprender, esperar, acrescentar. Nem sempre eles se conjugam com os dias, é verdade, mas tentar não custa. Dez anos volvidos, não voltei a casar, não fui pai outra vez, a minha vida foi refeita por mim próprio, aprendendo a estar sozinho, aprendendo a gostar de estar comigo, fazendo conviver vazios emocionais com vazios profissionais, ou momentos de paixão e amor com intensos desafios profissionais. Não consegui encontrar equilíbrios, mesmo quando me disseram que o melhor era não os procurar. Aprendi a viver no caos. E a tirar partido dele.

De certa forma, tornei-me uma espécie de livro permanente de auto-ajuda, procurando tirar dos maus momentos os bons ensinamentos, e aplicando o que fui aprendendo nos passos seguintes. Muitas vezes invejei os casais felizes que via nos restaurantes ou na praia ou no jardim, muitas vezes me interroguei sobre o facto de não ter voltado a casar. Mas a cada pergunta – isto é, a cada momento vivido -, obtive sempre a mesma resposta: não tenho de me resignar a uma vida que me fará infeliz. Nem a uma paz podre sem saída. Nem à submissão a um estereótipo social. A partir do momento em que aprendi a estar comigo, e a gostar de estar comigo, o patamar de exigência subiu: só saio daqui para melhor. Para muito melhor.

E foi como se tirasse o pipo a uma bóia – a pressão baixou, o ar começou a circular livremente, e eu deixei de ser ingénuo quando vejo uma família aparentemente feliz num almoço de domingo.

Passados dez anos, a pergunta é: Pedro, acredita no casamento?

Passados dez anos, a resposta é: claro que sim. Volto a casar.

A única diferença são os anos passados. O que vivi. O que resulta de ter aprendido a diferença entre “ser sozinho” e “estar sozinho”. Ou a diferença entre ter companhia e partilhar a vida. Ou mais rigorosamente: a diferença entre seguir um guião socialmente escrito ou não abdicar de ser feliz. Felizmente, nestes dez anos houve quem me fizesse ver a luz. Melhor é possível. E eu fui muito mais vezes feliz em dez anos “div” do que em outros anos “cas”. Sozinho ou apaixonado. O que quer isto dizer? Algo tão simples que parece tolo, mas talvez devesse ser o começo de qualquer reflexão: somos nós que fazemos a nossa vida.


Pedro Rolo Duarte

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