Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Al Berto

'Última Carta de Van Gogh a Théo'

nunca me preocupei em reproduzir exactamente aquilo que vejo e observo
a cor serve para me exprimir théo: amarelo terra azul corvo lilás sol branco pomar vermelho
arles sulfurosas cores cintilando sob o mistério das estrelas na profunda noite afundadas onde me alimento de café absinto tabaco visões e um pedaço de pão théo que o padeiro teve a bondade de fiar
o mistral sopra mesmo quando não sopra os pomares estão em flor o mistral torna-se róseo nas copas das ameixeiras arde continuou a arder quando tentei matar aquele que viu a minha paleta tornar-se límpida mas acabei por desferir um golpe a mim mesmo théo cortei-me uma orelha e o mistral sopra agora só de um lado do meu corpo os pomares estão em flor e arles théo continua a arder sob a orelha cortada
por fim théo em auvers voltei a cara para o sol apontando o revólver ao peito senti o corpo como um torrão de lama em fogo regressar ao início num movimento de incendiado girassol
Al Berto (11.01.1948-1997)

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