Nove meses de Inverno e três de Inferno,
diziam, dizes,
danças com Dante desde pequena,
tu que vens de do fim do mundo,
da Idade Média,
do tempo da Inquisição,
onde as pessoas de pedra,
as casas de granito,
os montes semeados de fragas,
um mundo nada arável, nada amável,
os animais apenas bestas,
um mundo de estrangeiros sem estrangeiros,
um mundo de emigrantes,
de fugitivos, um mundo prisão,
todos em coro dentro da mesma canção,
que cantada em silêncio passava por oração.
Também és emigrante,
a cada um a sua América o seu sonho americano,
sonhas com um chão italiano,
mas não passas de um peregrino,
Cidade do Vaticano, Meca, Jerusalém,
Santiago, Kyoto, Varanasi, Fátima, Istambul,
falta-te Fátima, falta-te fé no divino,
faltam-te fatalidades na vida.
Tens fé nas pessoas e nos corações perdidos,
tens ternura por defeitos e fraquezas,
ternura pelas flores secas,
pelas flores ainda fechadas.
É da cidade a ternura,
estás a perder a consistência de pedra.
A cidade tem outra luz, outro vento, outra literatura,
Shakespeare, Cervantes, Camões,
tu na jaula com os leões,
tu em casa com três gatos,
as cortinas paradas, sem movimento,
o vento rouco do asfalto, rouco do trânsito,
canto de pássaros nenhum,
a chuva ácida, as janelas fechadas como as flores,
fechadas para novos amores,
a devoção é isto,
uma fidelidade de cão mesmo abandonado,
tens saudades do vento,
do cheiro dos lápis acabados de afiar,
dos cadernos com poemas,
lembravam campos de beterrabas, os cadernos,
cheios das pedras a desafiar arados,
tens saudades até do cheiro da pedras,
da surpresa das lagartixas debaixo da pedras,
não tens saudade de Dezembro.
E Dezembro era só o princípio.