A voz (Nuno Júdice)
 E de súbito a voz: a voz límpida, a eclosão
 matinal, o grito e o choro, o riso e o canto — as palavras
 inúteis da confissão e do murmúrio,
 das frases que não ouço. Essa voz: a luz inesperada
 de certas palavras, o poema, a prosa, a fuga
 dos sentidos, a alegria dos ecos, o timbre
 que atravessa os vidros, janelas, jarros, espelhos,
 cristais, e se perde numa suspensão de vogais,
 num átrio de consoantes, num suor de
 sílabas. A voz profunda dos poços, a voz
 superficial das fontes, a voz de reflexo
 dos charcos, a voz branda da chuva; todas as vozes
 que me ensinaram todos os silêncios se juntam
 na tua voz. E é a voz súbita que me chama,
 de dentro dos quartos e das salas, sobre as árvores
 e os canteiros, num recanto de muro,
 do fundo das pedras. Uma voz de terra e de água, acendendo
 o último fogo da vida, enchendo o ar
 que respiro.
🙏👏

 
 
 
 
 
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