Hoje, enquanto descascava maçãs para fazer puré não pude deixar de recordar...os meus tempos na Quinta de S. João, em Viseu, no Outono mais frio da minha vida.
Acabada de chegar do Sul, de Évora, de Biofísica e da longa folga e leve vida de estudante.
Tudo foi um estranhar e entranhar. A paisagem, o clima, as casas, as comidas, o sotaque, as gentes do Norte. As mulheres trabalhadoras com a força de homens.
O meu primeiro emprego, foi ir trabalhar nas estufas. Nas plantas aromáticas e medicinais. Que entretanto ficaram sem muito para tratar ou fazer. Era a apanha das maçãs na quinta por essa época. Ofereci-me prontamente para ajudar sem saber o quanto custa apanhar uma maçã, ao frio, à chuva, às 6h da manhã, nas beiras.
Mas valia o esforço de uma época, o almoço era na cozinha antiga de pedra e azulejos verdes escuros com o Tio Maia Loureiro, que me tinha de pupila. As panelas fumegavam. Cozinhava lindamente. Ali comi as melhores maçãs assadas da minha vida com a sua geleia e nozes por cima. E canela talvez. Ainda sinto o cheiro. Nunca consegui replicar.
Descobri tantas coisas,
o que é a Bucha, pequena refeição ligeira que tomávamos a meio da manhã no campo, matava a fome e o frio. Mesmo de galochas, oleado e luvas, tudo pingava.
O sabor do café quentinho que o meu recente marido me fazia chegar num termo. Que ainda fumegava e se misturava com o nevoeiro onde estávamos.
A técnica da apanha, desde retirar da árvore, a calibrar, pesar, e despachar para a cooperativa.
Tudo com cuidado e preceito. Não deixar cair porque é frágil, para não danificar, amolgar, desaproveitar. Como a vida.
Conheci a amizade genuína da Celeste.
As gargalhadas soltas e sonoras da Tia Lena.
Entendi a força física e mental precisa para encarar qualquer trabalho.
Percebi o quanto vale uma maçã no prato.
O custo de tudo que a maioria não quantifica ou valoriza.
Apreendi a olhar.
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