Nas alturas mais complicadas da minha vida escrevo os melhores capítulos.

Não há passos perdidos.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Caro Miguel Esteves Cardoso (MEC)



Sem querer fugir ao assunto, começo por dizer que não o conhecer pessoalmente é um caso de manifesta injustiça.
Tenho livros seus lidos em quantidade suficiente para o merecer. Conhecimento de crónicas bastante para isso já ter sucedido.
Horas de Noite da Má-Lingua. Visitas ao Pastilhas.
Fui assíduo na leitura d' O Independente e fiel comprador da revista K. Consulto com frequência Em Portugal não se come mal e Com os Copos. Prefiro as suas traduções das peças de Samuel Beckett.
Por causa da sua letra ainda ouço Foram Cardos Foram Prosas (com música de Ricardo Camacho, interpretada por Manuela Moura Guedes).
O que concede ainda mais força à ideia de injustiça. Penso que pelo menos um gin tónico consigo já se justifica há anos.
Posso ser acusado de exagero, de ser tudo demasiado aparatoso. Mas em relação a certas coisas, tenho mau perder. E não concordo, em absoluto, com certos privilégios.
Se a memória não me falha, também nunca nos cruzámos. À excepção de uma vez nas Amoreiras. Que eu me recorde! Penso que confirmará.
Nunca fomos além de um «com licença». Mas é possível simpatizar com alguém sem nunca o ter conhecido, verdadeiramente. Concordar com as suas ideias só por as ter lido num jornal. À primeira. Dispensar troco. Achar que sim senhor. Querer tudo de bom para si, só porque sim. É o que sucede no meu caso. No nosso…
Essa é, pelo menos, a minha opinião. Podemos construir um mundo inteiro baseado em suposições e ele funcionar. Ou, pelo menos, termos essa sensação. Mesmo que tudo não passe de uma ilusão. As certezas estão sobrevalorizadas.
Sei que tem passado um mau bocado. A razão é do conhecimento geral. Não são precisas mais explicações.
Que tem sofrido. E eu tenho sofrido junto. Menos, como é óbvio. Por simpatia. Por ter a sensação de que nos conhecemos desde sempre. Sem nunca nos termos cruzado. Por pensar que lhe estou a dever. Por achar que consigo sentir, também.
Foi graças a si que achei que também conseguiria escrever. Penso até que tem uma geração inteira (pelo menos) que o responsabiliza pelo mesmo. Por sua causa deixei de ter tento na língua. Senhor do meu nariz. Passei a não comer e calar. Aprendi que ninguém merece ser, antecipadamente, levado em ombros. A escrever sobre isso. Como se fosse uma emergência. Foi a altura em que, provavelmente, mais me cresceu pelo na venta.
Acabei a ler nas entrelinhas. Mais desinibido nos temas. Desenvolto na gramática. Atento à sintaxe. Escrever parecia fácil. Por sua causa parecia uma coisa simples. Depois percebi que não e levei isso um bocado a peito. Como se tivesse invadido uma festa para a qual não fui convidado. Temi não ter entrado com o pé direito. Ser fruto de um erro de casting.
Já lá vão uns anos.
Senti-me traído. Capaz de vazar os próprios olhos. Não se ilude assim as pessoas. Só porque somos bons. Deve-se explicar que não é para todos. Que não funciona assim. Durante muito tempo acusei a quebra do voto de confiança.
Demorei algum tempo a perdoar-lhe, mas aprendi consigo uma coisa ou outra sobre o amor e, embora tenha resisitido, isso acabou por acontecer. Que é fodido. Para começar. E isso compensou tudo o resto. A desilusão anterior. Afinal, fui eu que me pûs a jeito. Como costuma dizer: «a culpa é sempre nossa.» E talvez o segredo seja mesmo a alma do negócio.
Mais recentemente, enquanto sofria consigo, percebi pelas suas palavras que amar nunca deixa de ser fodido. Por esta ou aquela razão. Já desconfiava. Mas há sempre uma lição ou outra a tirar. A aproveitar dos outros. De si.
Coragem MEC, sem a sua ajuda nunca teria conseguido escrever esta carta.
Obrigada por tudo.


Carta Retirada do Blogue Máquina da Preguiça
http://maquina-da-preguica.blogs.sapo.pt/21655.html

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