Praia das Maçãs, 17 de um Maio em Covid
Finalmente o mar.
Sempre tive alguma sorte em ocupar as coisas únicas.
Encontrei assim vazia, à minha espera, a única mesa de madeira e banco corrido junto ao alpendre sobre o mar.
Cheira a maresia, aqui o mar é de verdade por isso escolho este.
Apetece percebes, mexilhões e espuma de branco fresco.
Não se ouvem as ondas de forma nítida. O mar também silenciou.
- Já não se ouve o mar? O que é que se passa? Pergunta um Sr. passeante em chegada ruidosa como todos. Larga no entretanto bafos de cigarro admirado, e eu que aguente.
Passa que nos sobra ruído. Os motoqueiros de passeio domingueiro são uma peste sem remédio.
Mas enquanto o inferno forem os outros ainda será um mal menor.
Foram meses de espera. A sentir o mar em goles secos. Enlatado.
Falta-nos a brisa, o sabor, o cheiro e o tacto.
A maioria não morrerá de Covid, mas do confinamento.
A precaução também mata.
Hoje foi poder olhar. Tomar Sol.
Anseio mergulhar. Sem metros loteados. Sem prazeres limitados. Quando largamos os prazeres, adoecemos.
Ligar as sensações ao coração.
O que nos une, sempre será mais forte que o medo que nos separa.
A pele branca e balofa precisa arejar.
O mar sem barcos, mas muitos pássaros sem nome.
Alguns selfistas, de mastro em punho a escolher o melhor ângulo.
Um pescador de cana em linha.
O motor de um jipe descapotável, cheio de meninos de kit como convém, calções padronizados, polo desbotado, sapato de vela, aliança no dedo e fio da cruz ao pescoço. Falam alto que a auto -estima nestas bandas nunca faltou, escolhem o sitio da pesca submarina.
Eu de olhar longe, a absorver, as emoções, o que nos liga ao primordial, o centro primitivo do nosso Ser, que existe em nós muito antes do dever racional do fazer e do ter.
Regresso a Lisboa com as cores do mar nos olhos.
Consigo um peixe de verdade para o almoço na tasca da esquina. Tudo é um luxo em tempo de clausura.
Voltarão os sabores perdidos. Guardarei todos. São os melhores condimentos dos meus vazios.
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